Paulo
atingia o meio século naquela noite solarenga em que conseguira reunir os seus
três filhos no seu faustoso solar de Cascais.
Naquela sala, estavam alguns dos seus colegas
de armas, solidários naquele capim africano, de uma Luanda plena de mil
cuanzas.
Recebia-os como se fossem irmãos.
De um outro sangue.
Mais
verdadeiro.
Ao som da última badalada da meia-noite, ele
recordou Flora, uma mestiça que conhecera na primavera das savanas e que amara
no calor luxuriante dos trópicos.
Na mesma noite em que o seu camarada João
tombara morto na lama colonial de uma guerra que nem sempre entendera, Paulo
soubera que havia um filho parido no ventre de Flora.
Com medo da sua juventude, optara por esquecer
essa negra impala e regressar ao continente.
Um neto ligou a televisão e logo se viram
imagens de um Ministro da Justiça de Angola, discursando com a voz de fogo.
A marca negra no topo da sobrancelha direita do
palestrante, a mesma de todos os primogénitos da família de Paulo, não deixava
margem para dúvidas. Nesse instante, viu Flora nos olhos daquele político e
releu a antiga paixão.
Sem hesitar, Paulo tomou uma decisão.
Sem hesitar, Paulo tomou uma decisão.
Irrevogável.
Com o balanço das onças africanas, humedecendo
o coração com o cacimbo do entardecer, fechou-se no quarto e telefonou para o
seu advogado - era chegada a hora de mudar o seu testamento e deixar entrar
mais uma ave de ébano na sua existência.
Por
amor a Flora.
Para
dar sentido a essa guerra...
1 comentário:
Alfazema agradece o enriquecimento que C. lhe dá sempre que pode.
Linda histótia.
Um beijo amigo
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