22.2.10

O meu silêncio por Amélia


Foi em Leiria que o mundo a viu partir para a nuvem 9 onde, do Alto, me vigia e consola.
No passado dia 12.
Sem apelo nem agravo.
E sem aviso.
Eu sei que tinha 90 primaveras, mais Verões (que era a sua estação predilecta).
Mas estava bem e recomendava-se, saída todos os dias para o seu café, para a sua malha de anos, para o seu livro de cabeceira, para a sua sonata de piano (porque tocava Brahms)...
O Supremo Ser quis levá-la. E após um calvário de 14 dias num hospital de horrores, partiu e ainda teve tempo para me dedicar um último olhar, 24 horas antes da partida.
Ela, que me ensinou a falar inglês, a tocar piano, a nadar e a soletrar cantilenas americanas (nasceu na terra do tio Sam).
Ela que me dizia que todos os meus desenhos eram Picassos e que todas as minhas redacções eram Hemingways...
Ela que tinha um feitio de irlandesa, escorpiã com muito orgulho,
era uma das minhas heroínas de vida.
É dela que sinto saudades de mil cidades sem nome,
é para ela que elevo a minha voz e o meu olhar, 10 dias após ter embarcado rumo à pousada da sexta felicidade.
Consigo falar dela. Agora.
A custo.
Mas com a certeza de que, se ouvirem um bramido de Beethoven no ar, pelos lados do Lis e do Lena, é ela que certamente me dedica a sua última tocata em amor maior.

Era e é a minha avó, granny de nome próprio.
Chamava-se Amélia...