18.9.10

A IDADE MAIOR
(os nossos verdes anos)

Ao ritmo imparável do tempo, tomamos consciência de que o calendário está no ano 2010.
Olhando para trás é difícil acreditar que ainda estejamos vivos.

Nós que viajámos em carros sem cinto de segurança ou air bags, que não tínhamos tampas de segurança nos frascos de remédios, que andámos de bicicleta sem capacete e que pedíamos boleia, indiferentes aos perigos dos desconhecidos do norte expresso.

Éramos nós que bebíamos água da torneira e não engarrafada, que saíamos cedo de casa e só ali regressávamos quando o sol se punha sem podermos ser localizados.
Desconhecíamos os meios actuais de controlo, telemóveis implacáveis que nos perseguem como radares.
Nós partíamos os ossos e os dentes e não havia ninguém para se culpar.
Eram apenas acidentes!
Comíamos doces e refrigerantes e não éramos obesos.
Partilhávamos as mesmas garrafas e ninguém morreu por causa disso.
Não tínhamos Nintendo, playstations, canais por cabo, computadores ou internet…

Nós tínhamos amigos.
Sem prazo de validade.
Sem corantes ou conservantes.
Apenas aqueles que nos tocavam na pupila e nos prometiam ternura a granel.
Alguns eram menos inteligentes e, horror dos horrores, repetiam o ano escolar.
Nós tínhamos liberdade, fracassos, sucessos, responsabilidades e aprendíamos a lidar com isso.
Nós sobrevivemos e chegámos a esta bonita IDADE MAIOR.

Daqui para a frente, só quero apanhar os anos bons, quero deixar os maus na despensa dos desperdícios e roubar os anéis de Saturno para enfeitar os cabelos de quem amo.
Daqui para a frente, quero serpentinas e apitos, seda fina e cambraia para cobrir os meus olhos de mulher criança.

Quero novidades do dia anterior, as saudades do futuro que ainda não tenho.
Quero afagar os caracóis da menina que me dá um sorriso de domingo na avenida maior do meu verão, quero defender as cores todas do arco-íris, quero matar o tempo que não me dão, quero o tempo todo que ainda me puderem dar.

E se cheguei aqui hoje foi porque mereci, porque não atropelei ninguém e porque fiz dos moinhos de vento as minhas madeixas de cabelo.

Sou maior. Dizem que vacinada.
Contra a tristeza que me impõem.
Contra os mal-amados.
Contra os invejosos e pedrados de poder.
Vou com as aves, por muitos anos… e bons!


Emília Pinto,
Gala 2010

1.9.10

à espera de Setembro


CAFÉ DE SUBÚRBIO (14)

Já não há mármore na mesa,
Onde o poeta ou o pintor
Esboce um verso, um traço de beleza:
Dê um sinal de si, se for.

Lembro os perfis desses clientes,
Debruçados no espelho do tampo claro e liso,
Como se vissem aflorar, em águas doentes,
Ainda impreciso, um rosto de Narciso.

E o lápis vagueava, a imaginar o rumo
Da voz que só em nós se sente e escuta,
A expandir-se da névoa, entre névoas de fumo,
No crispado da escrita, na lânguida voluta.

Eles, rostos de boémia, o chapéu desabado.
Na xícara, o café a arrefecer da espera.
E o mármore feliz de se ver violado!
E um frémito, em redor, da Primavera!

Acabados o café e a inspiração,
Lançavam para ali o cobre da despesa.
Logo vinha o criado (era criado, então!),
Arrecadava o cobre e, sem hesitação,
Limpava todo o oiro do mármore da mesa.

António Manuel Couto Viana
(1923 – 2010)
As escadas não têm degraus, nº4
(Cotovia, 1991)