5.1.10

A voz e as palavras

Sou Mulher. Adulta. Senhora. Às vezes soturna. Tantas vezes ufana.
Tenho uma voz e revejo-me nas palavras, ditas e reditas por mim, através de mim e pelos outros.
Hoje apeteceu-me um pedaço de estrofe, um naco de poema vadio, uma fatia de romance de erva-doce ou de cordel.
Quero-me sensata, inquieta, imprevisível, desassossegada na minha habitual pacatez, metafórica, feita daquelas águas claras que irrompem das minhas almas, sem aviso, sem surpresa.
Leiam-me, Ouçam-me, decifrem-me, Soletrem-me....E ensinem-me as mágoas das flores, perto das magnólias que florescem antes de dar folha.
Não me atirem correntes mas antes gotas de chuva.
Quero a mansidão das manhãs de Outono, a fúria dos escorpiões, os risos surdos de Charlot, as garças dos vossos sorrisos...

As palavras, vagabundas e libertinas, trocam-me as mãos com o seu galope e afugentam os meus demónios. E correm, velozes, em busca do meu trote...Onde estás, cavalo meu?... à solta no meu peito, perto do canto mais estreito dos meus dedos, longe da esquina mais larga do meu espanto.
Quem te deu asas, quem te feriu de voz e pena, quem te trouxe encavalitado na minha dor, quem te fez meu, mesmo sem asas?

Queria escrever algo para espantar as tempestades
Deixem-me usar uma pena de outros tempos
Deixar recados por histórias antigas e dolentes e
Encontrar violinos debaixo das pedras da calçada...
A mão segue implacável, sem controlo, sem razão,
sem que eu a consiga deter.
Parem-na se quiserem.
Eu... nunca a deterei.
Por amor ao papel.
Ao branco grávido e vazio
Às linhas incontáveis dos meus cadernos da infância
Aos livros que li sem perceber
Às sebentas que preenchi com lenga-lengas
Por missão e
Por recato da minha imaginação.
Sou voz. E uso palavras.
E estou aqui a apresentar-me.
Obrigada por estares aí. Ainda. Obrigada por terem estado aí.....
enquanto cultivei A VOZ E AS PALAVRAS

10 comentários:

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Sinceramente, li seu texto como uma viagem. Incrível. Que texto mais íntimo e instigante, nos faz querer ler. Na próxima estrofe sempre outra bela surpresa. Parabéns mesmoooo.Beijos

alfazema disse...

Que simpatia a sua meu amigo.

Se lhe disser que este texto se refere ao encerramento de uma rádio que fundei e criei como um filho, entenderá que foi escrito com a alma.
Beijo no Beija.

Miguel C. disse...

Pode ter encerrado, mas enquanto existiu marcou a diferença, e quem a conheceu não mais a vai esquecer.

alfazema disse...

Miguelito miguelito, deixaste-me com uma lagriminha ao canto do olho
beijos doces

Miguel C. disse...

... e fica feito o convite para um dia destes tomarmos um chazinho... :)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
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de Matos disse...

Sinto-me desolado...
Por aqui já passei algumas vezes e só
hoje notei com olhos de ver este seu poema que acho um espanto...um grito
de revolta(?)ou tão simplesmente uma vontade infinita de conservar algo
"à la fois" desejado, mas impossível?
Em todo o caso uma manifestação poética de grande envergadura saída das mãos de alguém serenamente forte e por isso mesmo capaz de construir amanhãs.
Obrigado

Anónimo disse...

É.
É um grito de revolta
obrigada pelo comentário
beijos
estou triste

alfazema disse...

É.
É um grito de revolta.
Obrigada pelo comentário.
Hoje..........estou triste.
bj