15.6.10

"Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem destrói o seu amor-próprio,
Quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem evita uma paixão,
Quem prefere
O "preto no branco"
E os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte
ou daChuva incessante,
Desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que
oSimples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!»Pablo Neruda

7.6.10

50 anos depois...


A MEUS PAIS…
Em Bodas de Fino Oiro

A cidadela anda alegre.
Longe de sonolenta.
Nunca cabisbaixa.
Há 50 luas atrás, no tempo em que o tempo ainda se preocupava com o tempo que tardava em chegar,
Ele encontrou o olhar dela
E disse-lhe com a voz triste dos poetas:

«Estás aí para mim,
tu que me tiras o fôlego
e o ar pleno de ternura que da minha impaciência brota.
Estás aí para mim,
segura como uma folha cadente,
Como uma saia rota,
que nunca haverás de vestir, em tempo frio, em tempo quente...
Estás aí para mim,
pertences-me como o mar pertence à gota que o liquefaz,
como a guerra pertence à sombra da nossa paz.
Estás aí para mim,
Insegura na tua incerteza de chave certa,
Serena na tua insensatez de porta aberta,
Nebulosa na tua impacatez de fêmea liberta.
Estás aí para mim. Eu sei.
Até ao fim».

Ela ouviu-o com a impaciência das corças e respondeu-lhe:

«Escrevo o teu nome que sei
O teu sinal que desvenda a minha vulnerabilidade de mulher
Rodopio a mão pela areia que brota do teu mar
E sinto as algas tocarem-me no fundo do meu peito
Aquela pomba enlouquecida
Que trazes escondida nos cabelos
Sossega, então, no meu regaço
Até à hora em que me venhas ver de novo
Ensinando-me um novo nome»

E cresceram eles em graça e sabedoria,
correndo por castelares ameias,
torpedeando o Lis e o Lena,
rumando à terra do capim e dos mucubais,
fazendo as estradas dos outros,
deixando suor por lá,
na hora em que o negro venceu o branco,
florindo dois frutos, botões de cravo roxo,
cantando a mais dolente canção de amor.
Ele ensinou-lhes que sempre de pé perante os homens
E só de joelhos perante Deus…
Ela entregou-lhes a ternura e a candura como incenso e mirra…

De súbito, o escorpião entrou em suas vidas.
Inquietaram-se os ventos
e um estúpido incidente retirou-lhe - a ele - a voz com que sempre,
razoavel e ponderadamente,
deu ordens aos dois filhos e os dirigiu.
Ela dele cuidou, com a serenidade do dever cumprido,
Com a pele dele ainda sobre a sua, como se de uma única se tratasse…
Amam-se.
E são amados.
Demais...

A cidadela continua ufana neste dia das 50 badaladas.
O veludo dos seus olhares toca-nos.
A força dos seus interiores chega-nos, sem aviso.
O ruído dos seus silêncios forçados anima-nos.
Os anjos bons segredam aos seus ouvidos
recados de melhores dias,
de sonatas inacabadas
que ainda necessitam de um acerto final.

Ele chama-se Joaquim. Por missão.
Ela é Maria de Lurdes. Por convicção.

Para eles, nesta casa do Deus que sempre os guiou,
a nossa homenagem.


Do filho Paulo, aos 5 dias do mês de Junho de 2010

(lido em 5.6.2010, no Santuário do Senhor Jesus dos Milagres - Leiria)